terça-feira, dezembro 30

COMENTÁRIOS SOBRE CULTURA E SOCIEDADE

por Mauricio Trindade da Silva (texto publicado originalmente na Revista E número 121 - 2007 - SESC SP)

Ao entrar na área cultural, mantive um princípio que me acompanha desde jovem: criar condições efetivas de mudança da sociedade, tornando-a mais justa, digna e sustentável. Colocada assim, essa intenção parece transitar entre uma atitude simples e outra "heróica" (como se eu fosse "o" detentor ou causador do processo de mudança). É claro, isso não se permite definir de forma polarizada; todos nós estamos aí implicados. Esse sentido de mudar a sociedade é uma atitude ética que surge cada vez mais aliada a um valor absoluto (muitas vezes assumido em grupo ou individualmente), e ambos assegurarão a nossa existência enquanto seres humanos. Por conseguinte, tal atitude leva em conta a importância da mediação, ou seja, da relação humana com outros indivíduos e com tudo aquilo que se encontra no intermédio, referenciado a nossos atos, pensamentos, compreensão e responsabilidades, num itinerário complexo, em que os meios e os objetivos são igualmente importantes no caminho para a obtenção de resultados.

Convido-o então, caro leitor, a me acompanhar nesta reflexão - que também faço agora - sobre mudar a sociedade, atuando no campo imprescindível da ação cultural.

Começo por um exemplo de programação realizada no Sesc Birigüi, onde iniciei meus trabalhos. Propusemos um mês temático no recorte da literatura de cordel, que remonta à Europa do século 16 e chegou ao Nordeste por volta do século 19, popularizando-se. Ricos em lendas e personagens, os textos reúnem temas culinários e folclóricos, técnicas específicas, como a xilogravura, para ilustrar os textos, e fatos cotidianos sobre modos de ser. Agendamos eventos teatrais para adultos e crianças, shows, espetáculo de dança, exibição de filmes, oficinas, exposição de xilogravuras e de cordéis e palestra. A participação do público foi surpreendente. Isso que me leva às seguintes questões:

o Entre um evento e o público que o prestigiará, há um processo definidor, figurado como mediação (relativo aos propósitos da instituição, à atuação do animador cultural, à proposta dos artistas etc.). No caso do cordel, a mediação tinha um caráter plural e colocava-se de forma a permitir o entendimento de todos quanto ao que viram e praticaram.

o Uma manifestação cultural pode ser analisada como forma de significação e revelação acerca de tudo o que dá vida a uma sociedade. O universo do cordel fornece tensões e hábitos que mostram a cultura naquilo que ela é: uma "relação de causalidade" - embora nem sempre de efeito contínuo e linear - entre o homem e seu meio, mostrando que um depende e faz parte do outro.

o Na idéia de cultura está o reconhecimento de que este nosso mundo - sociocultural, psicossocial, político, econômico, em suma, histórico - se articula dialeticamente, isto é, por meio da lógica de ação dos homens, em relações mutáveis, contraditórias, envolvendo atividades físicas e simbólicas, a prática cotidiana e a teoria, por demandas individuais e coletivas/subjetivas e objetivas. Tal é a complexidade que nos circunscreve.

o O incentivo às artes, a abertura para o debate de idéias, o apoio à pesquisa e aos projetos de vanguarda (fora de uma lógica instrumental, porque a cultura também é "útil" quando tida por inútil) são operadores radicais de transformação, pois se vinculam a nossa prática (nossa atuação no mundo), a nossa reflexão, e à reflexão sobre a prática. Hoje há maior intercâmbio entre as ciências (no contexto da explicação e compreensão da realidade) e as artes (no contexto da revelação da realidade). E unir forças é fundamental. A interpolação ciências-artes resulta em uma revolução nucleadora de novas interrogações - e de entendimentos - sobre a sociedade e o mundo. Assim, podemos olhar com novos olhos aquilo que até então parecia comum, simples, naturalizado.

Pensando em tal atitude e em você, caro leitor, espero que este texto levante questões e permita "aclarar as loucuras" (como brinca o poeta Manoel de Barros) - questões que, ao nos devorar internamente, possam nos tornar um outro cada vez melhor.

MAURICIO TRINDADE DA SILVA, MESTRE EM SOCIOLOGIADA CULTURA PELA USP, É ANIMADOR CULTURAL NA GERÊNCIA DEESTUDOS E DESENVOLVIMENTO DO SESC SÃO PAULO

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